HISTORIAL
Nos fins do século XIX a Nação vivia momentos difíceis da sua existência. O Ultramar era cobiçado pelos países mais poderosos e a Europa convencera-se que a África poderia ser seu complemento natural, multiplicando-se os maiores atropelos às soberanias tradicionais e deparando-se a Marinha com diversificadas missões, onde escasseavam os meios para o seu cumprimento.
É após a separação do Brasil e as lutas internas ideológicas que se seguiram à revolução liberal, e com o país depauperado economicamente e já apresentando uma pobreza permanente, e no surgimento da revolução industrial, que a Marinha através de figuras proeminentes e cientes das dificuldades humanas para abarcar todas as missões, que vai contribuir para o surgimento do Clube Militar Naval.
No dia 8 de Setembro de 1866 realizou-se a primeira reunião de oficiais com o fim de discutir o problema das promoções por escolha, que na altura se apresentava como inovadora. Presidiu a essa reunião o Contra-Almirante Joaquim Pedro Celestino Soares que, comovido pelo nobre sentido de camaradagem, apresentou à Assembleia, “com o fim de agrupar os camaradas” um projecto de estatuto, para uma associação, grupo ou entidade colectiva, que sendo composta só por oficiais da Marinha, reunidos em torno de um projecto chamado Ritmo Espontâneo de Ideias Navais, ou simplesmente Ritmo Marítimo.
Palacete de António de Sousa Carneiro 1899, Clube Militar Naval a partir de 1935, fotografia cedida por lisboadeantigamente.blogspot.com
Da ideia à consumação de tal projecto muito se discutiu e várias reuniões foram efectuadas em casas de uns e outros, juntando-se as conversas nos corredores do Ministério/Casa da Balança, nas embarcações, a bordo dos navios, nos cafés e em todos os locais da aprazível e liberal Lisboa.
Lançados assim os primeiros alicerces o Clube vai surgir com a aprovação dos seus Estatutos por decreto no dia 15 de Novembro de 1866, assinado pelo Ministro Visconde da Praia Grande. Alguns dias depois (24 de Nov.1866), efectua-se a primeira grande assembleia no Palácio do Conde de Almada (hoje Palácio da Independência), tendo assistido à sessão o Vice-Almirante António Ricardo Graça, que presidiu provisoriamente à sessão.
Os dados históricos no período de 24 de Novembro de 1866 a 1876 são escassos e apesar de após a publicação dos Anais do Clube Militar Naval ser apenas em 1871 nos foi possível obter alguns dados, entre eles a constituição dos primeiros cinco camaradas que compunham a primeira Comissão de Redacção dos Anais do Clube e o primeiro artigo escrito datado de 1870.
Sem grande erro, podemos pensar que tivesse sido utilizada desde o início a antiga Escola Naval, havendo conhecimento que entre 1871 e 1876 aí se reunia a Comissão de Redacção dos Anais e também lá fossem discutidos e tratados os assuntos no âmbito administrativo do Clube.
Clube Militar Naval a partir de 1984, fotografia de arquivos.rtp.pt
Na capa do primeiro número dos Anais aparece como primeira Sede, no 1º andar do número 119 da Rua de S.Julião, onde segundo dados, aí permanecemos no período de 1876 a 1879. Depois seguiram-se, Travessa de Santa Justa, 82 1º, entre 1879 a 1896. Rua do Carmo, 43 1º, 1896 a 1915, Rua das Pretas, 16 1º, 1915 a 1932, Rua da Emenda, 19, 1932 a 1935 e entre 1935 a 1989, Praça Marquês de Pombal, 2. Estas mudanças, pensamos nós, foram ocasionadas pelo facto da aderência dos camaradas às convicções associativas e obviamente não serem as mesmas acolhedoras.
Neste longo período imperou sempre a grande necessidade de um dia este digno Clube, que mantendo firme os seus propósitos, usufruir de instalações próprias, o que veio a acontecer em Janeiro de 1989.
Não nos parece pois, desacertado, nem falho de utilidade, fazer a leitura dos três parágrafos do artigo terceiro dos Estatutos do Clube Militar Naval que definem os objectivos traçados e que presidiram à criação do Clube, deixando assim, bem vincado o alcance e vasto significado, avaliando na distância do tempo, a sua actualidade:
“Fazer convergir os esforços colectivos dos associados para que a corporação da armada sirva com abnegação, zelo e denodo o seu país.”
“Buscar quanto em si couber para que se torne conhecido o seu préstimo, procurando que a Marinha seja animada e favorecida em suas laboriosas fadigas.”
“Excitar, por meio de palestras científicas e literárias, por adequadas publicações e por todos os meios legais, os estímulos geradores das grandes acções e os factos que honram a humanidade, para que os oficiais se tornem distintos e continuem a conservar as gloriosas tradições da Marinha Portuguesa.”
– Estatutos do Clube Militar Naval
Foi da divulgação inteligente, do esclarecimento da mentalidade nacional sobre os problemas da sua Armada, e fazendo valer o papel fundamental por ela ocupado no âmbito nacional e internacional e na ponderação criteriosa que resultou o afirmar do que é hoje o Clube Militar Naval.
No decurso de tão dilatado período, e decorridos mais de século e meio, poderemos afirmar bem alto, toda a gratidão aos que no passado empreenderam tão significativa obra e que serão recordados através dos tempos numa memória que perdurará eternamente.
Será bom recordar a propagando desenvolvida nos anos 30 em resultado duma proposta apresentada em Assembleia Geral do Clube para a celebração de conferências técnicas onde foram criadas comissões que com brilhantismo efectuaram conferências, destacando-se os Consócios – Fernando Pereira da Silva ” A Política Militar Naval Portuguesa e a Influência dos Pactos e dos Acordos de Desarmamento sobre a nossa Directriz Política”, Almeida Henriques “Portugal de Aquém e Além Mar – A Marinha seu traço de união vital”, Conde da Penha Garcia ” O Problema Actual da Marinha do Estado em Portugal”, José Fontes “Marinheiros Gente do Povo”, Joaquim Manso “O Mar – Escola da Nação”, Costa Lobo “O Problema Naval Português e o Problema Económico”, Fernando Pereira da Silva “A Política de Segurança Nacional”. Pelo conteúdo e impacto destas conferências foram publicadas em volume as pronunciadas conferências e distribuídos os volumes aos Ministérios da Instrução, do Interior, das Colónias, da Guerra e dos Estrangeiros e uma distribuição profusa aos estabelecimentos de ensino.
Dessa Comissão de Propaganda e sua Comissão Executiva fizeram parte Azevedo Coutinho, Jaime Monteiro, Pereira da Silva, Gago Coutinho, Afonso Cerqueira, Mariano Martins, Gomes Namorado, Sousa Mendes, Ramos Pereira e tantos outros.
Igualmente, e no prosseguimento desse pensamento renovador foi levada a efeito uma exposição na Sala do Risco da Antiga Escola Naval integrada nas Semanas da Marinha contribuindo para a nomeação de uma Comissão Encarregada de Organizar o Museu da Marinha, fazendo parte Sócios do Clube, como: Gago Coutinho, Tito de Morais, Quirino da Fonseca e Cisneiros de Faria, sendo agradável referir que os Estatutos neste longo período não tenham sofrido alterações significativas.
Anais do Clube Militar Naval de 1962
Da propaganda a estes eventos, veio a beneficiar a nossa Marinha, tendo em vista dotá-la de meios em material e humanos indispensáveis para bem poder cumprir o seus deveres, tendo o Governo pelo decreto nº 18633 de 17 de Julho de 1930, e através de iniciativas do Clube Militar Naval elaborado um programa de revitalização da nossa Armada.
Ao debruçarmo-nos sobre o parágrafo três do artigo 3º dos Estatutos do Clube verifica-se que a sua dimensão redactorial no que concerne a palestras científicas e literárias, foram exemplo as palestras, os colóquios, e os eventos realizadas durante tão longo período. Mas de profundo significado tem sido a publicação ininterrupta dos Anais do Clube Militar Naval desde 1871, versando os mesmo, assuntos no âmbito das artes, cultura e ciências demonstrando com a sua verticalidade e isenção o espírito inovador.
Os Anais do Clube Militar Naval não sendo uma publicação da Marinha, tem sido a expressão de pensamento e idéias contribuindo de forma notável, pela pena de ilustres Consócios na divulgação de conhecimentos para o interesse da Armada.
Os valiosos trabalhos registados nos Anais e a salutar agitação de idéias que deles têm derivado, constituem inestimáveis benefícios dos oficiais da Armada, nos diversos sectores da vida Nacional, destacando-se figuras como criador de literatura de ficção e a letra do Hino Nacional Lopes de Mendonça, com assídua actividade na Academia das Ciências de Lisboa, nos Estudos Astronómicos, Campos Rodrigues e Hugo de Lacerda, na Geodésica e Cartografia, Gago Coutinho e Baeta Neves, nas Ciências e Letras Almeida d’Eça Tancredo de Morais, Celestino Soares, Morais e Sousa, Fontoura da Costa, Brás de Oliveira, Wenceslau de Morais Joaquim Costa, Scarlati Raposo, na Vida Política, Ferreira do Amaral, Mendes Cabeçadas, Machado dos Santos, Mariano Martins, Cândido dos Reis, Canto e Castro, Victor Hugo de Azevedo Coutinho, na Meteorologia e Astronomia merecem destaque Campos Rodrigues, e Eugénio da Conceição Silva, na Hidrografia e Oceanografia, Carvalho Brandão, Freitas Morna e Barahona Fernandes, na Medicina Tropical, Máximo Pratas e Ayres Kopke em estudos notabilíssimos que levaram ao combate de doenças tropicais e à criação do Instituto de Medicina Tropical lembrando igualmente Gago Coutinho e Sacadura Cabral na aventura da travessia aérea Lisboa-Rio de Janeiro, ou a travessia de Angola à Contra-Costa de Capelo e Ivens.
É de realçar o Consócio Teixeira da Mota que muito jovem ingressou no terreno da investigação histórica com o estudo sobre o descobrimento da Guiné, arrumando, segundo Duarte Leite uma velha e emaranhada questão e desenvolvendo toda a sua actividade literária com publicações de notável interesse, encontrando-se esse património na Biblioteca de Marinha.